Cidades para todos: Conhecendo o “efeito Jane Jacobs” em Buenos Aires

Na história do planejamento urbano dos Estados Unidos, nenhuma figura histórica incopora ao mesmo tempo o mito históricos e tendências atuais que se tornaram tão importantes para o movimento urbanista como Jane Jacobs. A história é cativante: mulher ousada de óculos de aros grossos, sem nenhum treinamento formal que com uma vontade de ferro mobilizou a comunidade de Greenwich Village a lutar contra o titã do governo Robert Moses e seu plano de abrir caminho através do bairro com para nova autoestrada – e venceu. Hoje suas ideias são consideradas o impulso que tirou New York City da crise dos taxistas nos anos 60 e 70 tornando-a o sonho dos jovens de 20 e poucos anos em todo o país, e seu livro Morte e Vida das Grandes Cidades é considerado um clássico.

Mas como essa ideologia se aplica a outras regiões com diferenças culturais tão radicais, políticas públicas e tecido urbano distintos? Nesta edição anterior do International Jane Jacobs walk day, eu organizei um grupo de pensadores urbanos num tour a pé por Buenos Aires para descobrir o que Jane Jacobs significa para Buenos Aires, um ambiente distante dos seu gramado no Village.

Nosso passeio começou em Palermo, um bairro que nunca se cansam de descrever como “uma área terrível 20 anos atrás”. Mas a única forma como eu o vi é a atual, um marco-zero da gentrificação. Hoje gentrificação é uma preocupação importante nos EUA – em parte por causa de uma interpretação comercializada das ideias de Jacobs – mas na América Latina é uma tendência pouco conhecida nas grandes cidades. Nos EUA, gentrificação representa algo bastante diferente. Na maioria das cidades americanas a densidade urbana foi por décadas um sinônimo de pobreza, com qualquer pessoa que suportasse viver em uma área densamente povoada, fazendo-o. Então gentrificação nos EUA representa uma mudança pelas em elites em favor das áreas mais densas. Por outro lado, na América Latina as áreas mais densas sempre concentraram a população mais nobre, tornando a gentrificação uma questão das elites mudando-se para áreas mais densas, assim como de uma área densa para outra.

Nossa guia é uma descontraída arquiteta chamada Carolina Huffmann. Nós programamos a caminhada e ela começa a explicar quem foi Jane Jacobs e o quis foram suas principais ideias para as cidades: pequenas quadras, densidade, diversidade de usos e preservação edifícios antigos, mas não necessariamente históricos. Ela também nos explica como acidentalmente descobriu a importância de Jane Jacobs enquanto estudava arquitetura em Barcelona: “Eu comecei apenas projetando prédios e eventualmente entendi que você não pode simplesmente desenhar um edifício sem entender o espaço ao seu redor”. Uma ideia fundamental para o pensamento urbano de Jane Jacobs.

Nós caminhamos em direção ao sul através da última quadra não-enobrecida – ou ao menos a menos enobrecida – de Palermo. O grupo repleto de arquitetos rapidamente começa a fazer perguntas altamente especializadas e cheias de informação prévia. Um homem explica que ele vive aqui no bairro e que o lugar vem sendo alvo de zombaria pelos projetistas de condomínios. Carolina concorda apesar de haver citado a ideia de densidade de Jane Jacobs antes, porque empreiteiras normalmente pressionam por áreas de grande densidade sem implementar também infraestrutura d e transporte e esgoto suficientes para tal.

Há várias ideias que aparecem no clássico de Jane Jacobs Morte e Vida das grandes cidades Americanas, que – como o título sugere – são relevantes apenas para o urbanismo nos EUA. O livro é apresentado como “um ataque as práticas de planejamento urbano atuais no país”. e segue além, entre outras coisas, listando os problemas da lei de habitação de 1949 (1949 US housing Act), a lei da rodovia interestadual, e as aplicações grosseiras de Rober Moses das ideias de Ebeneezer Howard e Le Corbusier, que ela via como errôneas desde o princípio.

Apesar desse foco específico, Carolina acha as ideias de Jane perfeitamente relevantes para Buenos Aires. “Jane Jacobs é universal”, ela me diz. “Os vendedores ambulantes de Palermo, por exemplo, não dependem da política para determinar onde devem se instalar. Eles usam o mesmo princípio que Jane Jacobs descreveu: calçadas cheias tem mais pessoas observando e são muito mais seguras”. Na verdade ela pensa que de certa forma as cidades Sul-americanas são mais “jacobianas” que as norte-americanas. Vocês ianques, e os europeus também, vivem em bolhas. Nunca entram em contato com as pessoas mais pobres se forem da classe média. “Suas vidas são socialmente higienizadas”, ela me diz. “Aqui a vida é mais imprevisível, mas isso é exatamente o que Jane Jacobs pensava ser maravilhoso sobre as cidades. Isso é o que ela queria que as cidades fossem”.

Nós cruzamos Palermo em direção a Chacarita, um bairro ainda não gentrificado, famoso por seu cemitério. O homem de Palermo olha ao redor e murmura, “Em breve esse lugar vai se parecer com a Palermo de hoje em dia”.

Caminhamos até um parque e Carolina nos entrega um punhado de papeis, cada um com uma citação de Jane Jacobs, traduzidas do Espanhol. Meus papeis tem a mesma citação. As cidades tem a capacidade de proporcionar algo para todos somente porque e somente quando, são criadas por todos. “Estes papeis são para serem colados com fita pela cidade”, Carolina explica. Eu imagino se Jane Jacobs consideraria panfletos colados como parte de “uma cidade criada para todos”.

Nossa última parada é uma representação argentina única dessa citação de Jane Jacobs. É uma cooperativa chamada “The Warehouse” (O armazém), localizado em um – pasmem – armazém, próximo à estação de trem. A administradora – até mesmo cooperativas de trabalhadores tem um – nos conta mais sobre o local. “Nós plantamos nossa própria comida aqui e tudo é orgânico”. Ela também segue dizendo que o grupo participa ativamente da política local apesar de não ser afiliado a nenhuma partido. Existem centenas de organizações de trabalhadores similares pela cidade, um fenômeno que se expandiu após a crise econômica de 2001. Jane Jacobs tem pouco a dizer sobre essa forma de gestão em seus livros, mas está de acordo com sua visão de uma cidade participativa. Se a grupos constituídos democraticamente tomam a tarefa de manter edifícios e outros elementos do tecido urbano e prédios antigos para começar, melhor ainda.

Após o tour, Carolina nos dá fita adesiva para que colemos nossos panfletos. No caminho de volta eu colo um deles em uma praça perto da estação de trens. Enquanto caminho um senhor idoso para e o lê. Eu duvido que ele saiba quem é Jane Jacobs, mas sem mesmo saber ele passou sua vida em uma cidade que não é muito diferente do que ela imaginou.


Drew Reed é um produtor de mídia online e ativista comunitário especializado em transporte sustentável. Ele vive em Buenos Aires.

Imagem: Drew Reed