“Porta de pobres” – Para quem não quer se misturar com essa gentalha
Lembra da relíquia da segregação social, o “elevador de serviço”? Visto como resquício da senzala, o separador de moradores e trabalhadores gerou polêmica e foi se tornando mais raro nas grandes cidades brasileiras, apesar de ainda resistir. Mas se você acha que o elevador de serviço não é o suficiente, nós temos o projeto certo para você: conheça a nova moda urbanística americana, a “porta para pobres“!
Um resumo do que são as tais “entradas para pobres” e como surgiram. Os Estados Unidos sofrem com escassez de habitações destinadas a famílias de baixa renda nos grandes centros urbanos, impulsionando a expansão das cidades para cada vez mais longe das zonas de emprego e criando guetos segregadores. Nada diferente do que acontece em São Paulo, por exemplo. Para combater o problema leis de zoneamento foram criadas numa tentativa de adensar as cidades. Em Nova Iorque, uma dessas regras de zoneamento possui uma política de inclusão, onde construtoras recebem grandes isenções fiscais e outros incentivos financeiros para criar empreendimentos residenciais para diferentes tipos de renda. Parte das unidades tem o aluguel até 80% mais barato que as demais e são destinados a famílias de baixa renda, promovendo a diversidade social nos bairros. No papel a ideia é linda.
Só que em 2013 a prefeitura aprovou a construção de um prédio nas condições acima com entradas separadas de acordo com o valor do aluguel. Quem paga o valor cheio, entra por uma porta – mais luxuosa – e quem vive nos apartamentos subsidiados tem uma outra entrada, assim os moradores não precisam se encontrar. Uma solução que parece ter saído da cabeça da Dona Florinda.
Responsáveis pelos empreendimentos se defendem dizendo que não é justo quem paga mais ter que dividir o espaço com os mas pobres, que já foram beneficiados em poder morar em áreas nobres e condomínios de alto padrão. Tratam as unidades mais baratas como entidades separadas do resto do condomínio, como se não fizessem parte do prédio.
A cidade dividida
Divisão social não é um fenômeno novo nas cidades. Desde sempre bairros ricos e pobres criaram “fronteiras” onde os menos privilegiados normalmente sofrem com a péssima oferta de serviços e longas viagens ao trabalho. A melhoria no sistema de transportes é essencial para amenizar o problema, mas não é uma solução definitiva, pois vai chegar um momento em que as periferias estarão tão distantes que não haverá trem suficientemente rápido para atravessar os 50 quilômetros que separam o bairro do Centro. Por isso o zoneamento das cidades começoua tomar lugar na agenda de plajamento urbano. Criar zonas de uso misto, onde se trabalha, vive e tem seu lazer tornou-se a tendência em um mundo primariamente urbano. A outra barreira a ser derrubada é a que separa os cidadãos pela renda, possibilitando a divisão de espaço entre classes sociais e é a aí que a política de inclusão de Nova Iorque se faz necessária.
O problema é que nem todos se sentem confortáveis dividindo espaço e alguns advogam que o preço pago pela moradia lhes dá o direito de viver longe de quem lhes interesse. Essa distopia de pensamento acaba abrindo espaço para projetos como a porta para pobres, que não é mais do que a concretização da segregação social de maneira clara. Divisão de benefícios em edifícios residenciais já existiam em Nova Iorque, onde moradores de apartamentos subsidiados não podiam acessar serviços como a academia do condomínio. Nem mesmo pagando por ela.
Mas se você pensa que separar os pobres com entradas alternativas é resultado da cultura americana, pense novamente. Londres, que tem uma lei similar, só que mais agressiva, passa pelo mesmo dilema. No Brasil só não temos ainda entradas para pobres pela falta das políticas de inclusão que permitem pessoas de classes mais baixas a viverem em bons prédios. Mas aqui o histórico de discriminação é longo, com trabalhadores sendo obrigados a usar a porta dos fundos e babás tendo que usar uniformes para levarem as crianças que cuidam aos clubes. Aqui mesmo, no This Big City já mostramos que há quem diga que localizações privilgiadas não deveriam ser usadas em programas de moradia popular.
Para os que anseiam por uma cidade menos excludente, mais justa e sem discriminação, resta contar com o bom senso das autoridades em impedir a segregação apoiada na falácia mercadológica. O prefeito de Nova Iorque, já se manifestou contra e seu gabinete corre atrás de uma solução para eliminar as tais portas de pobres. Mas melhor seria contar com a sensibilidade e conscientização da população em entender que o valor do seu aluguel não te torna superior ou especial. Pior, pode tornar público um sério desvio de caráter.