Shoppings não são espaços públicos

Agora que a polêmica dos “rolezinhos” esfriou vale dar uma discutida em uma das mais importantes faces do planejamento urbano evidenciados durante o acontecimento. Os shoppings como espaços de lazer e sua função na cidade.

Aqui é importante ressaltar que não faz diferença a minha ou sua opinião sobre a legalidade da prática dos rolezinhos. O que chamou a atenção nesse caso foi a obtenção de liminares por parte da administração dos shoppings para barrar a entrada de quem quer que quisesse participar de manifestações parecidas. Revistas foram organizadas e menores desacompanhados não puderam sequer entrar no shopping. Muito se debateu a atitude dos centros comerciais, mas a verdade nua e crua é: shoppings não são espaços públicos. São empreendimentos privados que apesar de serem de acesso público, podem barrar a entrada de quem que seja, claro sem incorrer no crime de discriminação.

O problema do ponto de vista urbanístico é que os shoppings se tornaram as principais opções de lazer nas capitais brasileiras. Se existe uma incessante reclamação pela falta de praças e parques, a proliferação dos shoppings se tornou endêmica. E não se engane, existem áreas assim pra todas as rendas e extratos. Mas porque os mesmos são tão atraentes, sobretudo para os jovens?

Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá famoso por suas intervenções que mudaram a capital colombiana, fez os seguintes comentários no twitter:


Ou seja, para ele, a má qualidade do espaço público aliada ao fenômeno cultural do consumo tornaram os shoppings as principais opções de lazer, mesmo sendo insípidos de cultura, fechados e sem qualquer acesso à vida da cidade. Não há diferença entre estar em um shopping em São Paulo ou em Dubai, a não ser pelo idioma falado. E como já dissemos aqui, na Europa a realidade costuma ser diferente. Shoppings existem por sua utilidade, mas nem de longe conseguem competir com o espaço público em atratividade. Inclusive as ruas de compras são mais populares que os shoppings, quando existem.

Porém, dentro da realidade brasileira é bem fácil entender porque os shoppings se tornaram os lugares preferidos para lazer e encontros casuais. A segurança das ruas, aliada a limpeza urbana e falta de infraestrutura empurram o transeunte para um ambiente climatizado, bem iluminado, com oferta de assentos e opções de comida e “lazer”. Em qualquer capital brasileira é difícil sentar-se em um restaurante ao ar livre sem ter que vigiar os arredores todo o tempo. O Brasil teve 14 cidades na lista das 50 mais violentas do mundo em 2012 e a segurança pública é um dos nossos maiores gargalos sociais. Para piorar, a cultura dos condomínios se espalha cada vez mais criando ilhas residenciais e a via pública passa a ser corredor de carros que levam o cidadão da casa direto para o destino, seja ele trabalho ou lazer, tudo dentro do carro.

É aí que os shoppings cumprem a função social que deveria ser das praças e parques. São uma alternativa “gratuita” e tão necessários que existem um ao lado do outro. Não são “templos da elite” como muito se discutiu durante o debate rolezístico. Existem em todos os formatos e para todas as classes sociais, da mesma maneira insípida.

Integrando os shoppings às cidades

Apesar das críticas, os grandes centros comerciais podem tornar-se mais integrados às cidades, oferecendo suas vantagens, mas sem tornarem-se não-lugares isolados. No Rio de janeiro, o Norteshopping, em Del Castilho, no subúrbio passou por uma expansão em 2006 que entregou o popular “pátio”, uma grande área que dá acesso direto à rua, aberta em formato circular rodeada de bares, cinema e mobiliário planejado. Desde então tornou-se um ponto de encontro pela comodidade e facilidade de acesso.

Por outro lado o Downtown na Barra da Tijuca, reúne todas as características paisagísticas de uma boa rua de comércio, tendo apena um prédio coberto (para o cinema e alguns restaurantes), mas nem de longe é a opção mais popular. A oferta de shoppings na Barra da Tijuca é imensa e o Downtown é altamente inacessível para quem vem de outros bairros e para os residentes a própria característica urbanística do bairro não abre nenhum espaço para pedestres, num pesadelo distópico projetado para carros.

Criar opções de empreendimentos comerciais em locais abertos com estacionamento subterrâneo (para que o mesmo não roube espaço público nem isole o shopping da cidade) integra o shopping à cultura local e entregando à infraestrutura a qualquer pedestre.

As cidades devem aprender com os centros comerciais

Pergunta rápida: Se quiser fazer compras no fim de semana à tarde, aonde você vai? Se respondeu “shopping”, então pense nos motivos. Existe algum calçadão em sua cidade? Se sim, até que horas as lojas abrem aos sábados? E aos domingos? As opções de compras são adequadas e estão próximas? Há sombreamento e bom mobiliário? Há opções de alimentação centralizada? E quanto a segurança e limpeza?

Muito provavelmente as respostas das perguntas acimas serão negativas (salvo raras exceções). A verdade é que os shoppings podem ensinar muito em termo de organização e conservação de patrimônio sem falar em layout e logística. O centros de comércio de bairro deveriam funcionar como grandes shoppings à céu aberto, no mesmo esquema de horário e – aí entra a o poder público – com o mesmo rigor de conservação. Com fácil acesso para carros e, sobretudo, transporte público e interligação cicloviária, mobiliário bem projetado e limpeza, os tradicionais calçadões poderiam tornar-se opções de lazer tão significativas quanto são os shoppings hoje.

Os espaços públicos precisam aprender com as áreas de lazer privadas e competir com elas. Quando jovens decidirem que a rua é o melhor lugar para seus encontros, teremos uma pista de que estamos no caminho certo para uma cidade mais humana.